sábado, 16 de maio de 2015

Casar por Amor

Quando eu pensava que não podia ser mais feliz, manhã após manhã era mais, mas só um bocadinho mais do que o máximo humanamente possível.

Pensava eu, ser absolutamente impossível que eu fosse, de repente, muito mais feliz, do que a própria felicidade até.

Mas, de repente, fui. Muito mais.

Casei com o meu amor e o meu amor tornou-se a minha mulher, minha em tudo, para tudo, para sempre.

E eu, finalmente, consegui divorciar-me de mim e deixar de ser tão triste e aborrecidamente meu, trocando-me, no melhor negócio do século, por ela.

Ela ficou minha. Eu fiquei dela. É ou não é estranho e lindo e bem pensado por Deus Nosso Senhor que ambos pensemos que nos livramos de nós mesmos e ficamos a ganhar? É.

É sim. A minha mulher é mais minha do que eu alguma vez fui meu — e eu antes não podia ter sido mais para mim, felizmente. Por ter tudo agora para lhe dar. Que alívio. Nunca mais me quero ver na vida.

A não ser aos olhos dela, onde sou muito bem visto — talvez o maior homem que já viveu, logo a seguir ao pai dela, claro. É um milagre como melhorei tanto.

E paradoxalmente sem deixar de ser eu por causa disso. Ou mesmo que deixasse, com tal amor não tinha saudades nenhumas. 

Sou em termos estritamente matemáticos, amorosos e integrais, tanto mais dela como o todo absoluto que ela é e me deu. 

Afinal o casamento é a maior ajuda que se pode receber. Passa-se a pertencer.

E, em troca, passa-se a possuir. A pertencer e a possuir mesmo.

Fica-se, por troca, sossegadamente apropriado e violentamente proprietário.

Não me venham com modernismos de meia-tijela, liberalices sem fundamento humano, tretas de quem não ama de quem não aspira ser de outro, amado, que nos ama.

Casar é trocar.

Casar é trocar a liberdade pobre, que é a de cada um, pela posse rica, que é a de quem se quer. E casando se passa a ter, absolutamente, por vontade de quem se dá e de quem recebe. 

Casando por amor prescinde-se do nosso pior inimigo (nós próprios), entregando-o a quem sabe e gosta de aproveitá-lo, abusá-lo, tirar o maior prazer dele.

E recebe-se quem mais queremos, para dela fazermos o que queremos, que é tudo. Absolutamente tudo!

Adaptação de texto de Miguel Esteves Cardoso.


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